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Reme: Revista Mineira de Enfermagem
versão On-line ISSN 2316-9389versão impressa ISSN 1415-2762
Reme : Rev. Min. Enferm. vol.15 no.2 Belo Horizonte Abr./Jun. 2011
RELATO DE EXPERIÊNCIA
A passagem de plantão e a corrida de leito como instrumentos norteadores para o planejamento da assistência de enfermagem
Change of shift report and daily bedside rounding as guidelines for planning nursing assistance
Cambio de guardia y ronda por las camas como instrumentos de apoyo para la planificación de la atención de enfermería
Bruna Tinoco PereiraI; Camila Alessandra de BritoI; Gabriela Corrêa PontesI; Eliane Marina Palhares GuimarãesII
IGraduandas da Escola de Enfermagem da UFMG
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da UFMG
RESUMO
Trata-se de um relato de experiência das acadêmicas do curso de graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da UFMG, que desenvolveram as atividades práticas da disciplina Estágio Curricular Supervisionado em Rede Hospitalar, numa unidade de clínica médica de um hospital universitário. Mediante a inserção na unidade e a elaboração do diagnóstico situacional, identificou-se a necessidade de discutir com os enfermeiros a importância da passagem de plantão e da corrida de leito como dois dos instrumentos administrativos primordiais para planejar e avaliar a assistência de enfermagem. Assim, constituíram-se objetivos deste estudo a revisão da Instrução Técnica de Trabalho (ITT), em vigor na instituição sobre passagem de plantão, e a elaboração de uma proposta de ITT sobre corrida de leito. A metodologia utilizada baseou-se no planejamento estratégico proposto por Cecílio (1997). O estudo proporcionou uma visão ampliada sobre a passagem de plantão e da corrida de leito como ferramentas para o planejamento, a execução e a avaliação da assistência de enfermagem, bem como sobre a utilização das ITTs como instrumentos orientadores das atividades diárias do enfermeiro nas unidades de serviço. Saliente-se a participação dos enfermeiros durante o desenvolvimento do estudo, expressando a corresponsabilidade na implementação das ITTs e, consequentemente, nas mudanças na sistematização da assistência de enfermagem na unidade, que garantirão a realização da passagem de plantão e da corrida de leito nos três turnos de trabalho. Ressalte-se, ainda, a oportunidade como acadêmicas de exercitar, deforma sistematizada, ações da coordenação da assistência de enfermagem numa unidade assistencial.
Palavras-chave: Planejamento de Assistência ao Paciente; Cuidados de Enfermagem; Processos de Enfermagem; Comunicação.
ABSTRACT
This is a report based on the experience of nursing students from a public nursing school (UFMG Nursing School). The students were registered in a supervised apprenticeship program at a university hospital. Following the students' admission in the unit and the preparation of the situational diagnosis, the importance of the shift report and bedside rounding was presented as the primary administrative tools for planning and evaluating the nursing assistance. The study' objectives were the review of the institution's current technical instructions concerning shift report and the elaboration of a technical instruction scheme for bedside rounding. The methodology was based on the strategic planning proposed by Cecílio (1997). The study enabled thestudentsto have an broadened viewpoint about shift report and bedside rounds as tools for planning, executing and evaluating nursing assistance as well as the use of technical instructions as a nursing activity guideline to health professionals in his/her service unit. It must be highlighted the nurses' contribution to the study's development and their co-responsibility in thetechnical instruction implementation that will promote changes in nursing ca re systematization in the unit. Such changeswill enable the change shift report and bedside rounding activities during the three hospital shifts. The experience was an opportunity for the students to practice in a systematic way how to coordinate nursing care in a hospital unit.
Key words: Patient Care Planning; Nursing Care; Nursing Process; Communication.
RESUMEN
El presente estudio es un relato de la experiencia de alumnas de la Escuela de Enfermería de la UFMG en la materia Pasantía Curricular Supervisada en Hospitales Públicos realizada en la clínica médica de un hospital universitario. Con la inserción en dicha unidad y la elaboración de un diagnóstico situacional fue identificada la necesidad de discutir con los enfermeros la importancia del cambio de guardia y de la ronda por las camas como dos de los instrumentos administrativos primordiales para planear y evaluar la atención de enfermería. Este estudio tiene como objetivo la revisión de la Instrucción Técnica de Trabajo (ITT) en vigoren la institución sobre el cambio de guardias y la elaboración de una propuesta de ITT sobre la ronda por las camas. La metodología utilizada se basó en la planificación estratégica propuesta por Cecilio (1997). El estudio proporciono una visión más amplia sobre el cambio de guardia y la ronda por las camas como herramientas para la planificación, ejecución y evaluación de la atención de enfermería y, asimismo, de la utilización de las ITT como instrumentos orientadores de las actividades diarias de los enfermeros en servicio. Se destaca la participación de los enfermeros durante el desarrollo del estudio expresando su corresponsabilidad en la implementación de las ITT y, consecuentemente, de los cambios en la sistematización de la atención de enfermería, lo cual garantizará que el cambio de guardia y la ronda por las camas se realicen en los tres turnos de trabajo. También se enfatiza la oportunidad de las estudiantes de ejercitar de forma sistematizada acciones de coordinación de la atención de enfermería en una unidad asistencial.
Palabras clave: Planificación de la Atención al Paciente; Atención de Enfermería; Procesos de Enfermería; Comunicación.
INTRODUÇÃO
Este relato de experiência é resultado das atividades práticas da disciplina Estágio Curricular Supervisionado em Rede Hospitalar, desenvolvidas pelas acadêmicas do 9º período do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no 2º semestre de 2008. A disciplina visa à integração do acadêmico no cotidiano da rede hospitalar, por meio da execução de atividades assistenciais, administrativas e de investigação em enfermagem.
Este estudo baseou-se nos resultados parciais da pesquisa intitulada Atividades administrativas do enfermeiro em um hospital de ensino: uma primeira aproximação, desenvolvido na gestão 2005-2007 da Vice-Diretoria Técnica de Enfermagem (VDTE) do Hospital das Clinicas da UFMG. Os resultados da referida pesquisa apontaram mudanças no processo gerencial e assistencial de enfermagem na instituição, advindas de transformações internas e externas. Dentre os fatores apontados na pesquisa, como a adoção de um novo modelo gerencial (Unidades Funcionais), a incorporação de tecnologias inovadoras no processo de trabalho e, substancialmente, a complexidade e a expansão dos serviços prestados pelo hospital explicaram as mudanças acontecidas. Concluiu-se no estudo que, em decorrência dessas transformações, a participação do enfermeiro no processo assistencial deixou de ser essencialmente técnica e passou a caracterizar-se mais como uma atuação administrativa, de coordenação da assistência.
Essa nova forma de atuação do enfermeiro gerou uma sobrecarga de trabalho para o profissional, que se viu limitado a exercer sua função precípua de assistir o paciente para se dedicar às atividades de natureza administrativa, em especial aquelas que respondem às demandas burocráticas da instituição.
No anseio de habilitar-se para o trabalho, o profissional enfermeiro vem adotando, na sua prática, instrumentos administrativos que possibilitem a sistematização de suas ações voltada para o planejamento, direção e avaliação da assistência prestada. Considerando esse novo cenário, neste estudo avaliam-se os instrumentos administrativos utilizados para orientar a passagem de plantão e a corrida de leito como atividades que caracterizam a atuação do enfermeiro no processo assistencial. Constituíram-se, portanto, objetivos deste estudo a revisão da Instrução Técnica de Trabalho (ITT) sobre passagem de plantão, em vigor na instituição, e a elaboração de uma proposta de ITT sobre corrida de leito, juntamente com os enfermeiros da unidade. Optou-se por desenvolver este estudo com base no uso da tecnologia de planejamento estratégico aplicada ao setor governamental.1
INSTRUMENTOS PARA O PLANEJAMENTO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM: PASSAGEM DE PLANTÃO E CORRIDA DE LEITO
Desde 1955, a direção dos serviços de enfermagem é atribuição exclusiva do enfermeiro, conforme a Lei nº 2.604, artigo 3, alínea a.2 Essa lei foi revogada em 1986, após ter sido decretada a Lei do Exercício Profissional nº 7.498.3 Dentre outros acréscimos, destaque-se, no artigo 11, alínea "c", o planejamento da assistência de enfermagem necessário à referida direção dos serviços de enferm agem: "O enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe privativamente: planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços da assistência de enfermagem".
Classificado por Horta, citado por Fugita, 4 como um dos instrumentos básicos para a enfermagem, o planejamento é referido como um processo que precede e racionaliza a execução de uma intervenção ao estabelecer os objetivos, as etapas, os prazos e os meios para concretizá-lo.5 Assim, o enfermeiro deve conhecer esse instrumento e utilizá-lo no processo de tomada de decisão, estabelecendo as prioridades e definindo o processo de supervisão. Para tanto, é necessário conhecimento técnico, recursos humanos em quantidade adequada, conhecimento da dinâmica do serviço e da instituição, bem como o perfil de sua clientela.5
Na elaboração de um plano de cuidados, bem como na prestação da assistência qualificada de enfermagem, é imprescindível o planejamento e a seleção das intervenções apropriadas.6 Dessa forma, faz-se necessário integrar na prática diária do enfermeiro instrumentos que viabilizem o planejamento assistencial: a passagem de plantão e a corrida de leito.
Conhecida também como entrega ou troca de turno, 7 a passagem de plantão é uma atividade formal, reconhecida institucionalmente, que visa relatar as ocorrências do plantão com vista à continuidade da assistência de enfermagem nas 24 horas do dia. Consiste na transmissão verbal - oral e escrita - de informações relativas à assistência prestada entre os profissionais que encerram um turno de trabalho e aqueles que iniciam um novo turno.8
A complexidade do quadro dos pacientes, a organização da unidade de internação e a taxa de ocupação dos leitos estão relacionadas à maneira pela qual as informações devem ser transmitidas durante a passagem de plantão - relatórios gravados, escritos ou orais, relatórios no leito ou reuniões em que toda a equipe de enfermagem participa. Para atingir o objetivo proposto nessa atividade, as informações transmitidas devem ser claras, precisas, objetivas e atualizadas em relação à evolução do estado de saúde dos pacientes e, ainda, abordar informações gerais sobre o funcionamento da unidade.7
Como instrumento e rotina de trabalho da enfermagem, a passagem de plantão é influenciada por fatores como tempo, infraestrutura, organização do trabalho, ausência, interesse e comportamento da equipe. Outros problemas, como o atraso de membros da equipe, conversas paralelas, brincadeiras, chamadas telefônicas, campainha, entrada e saída de funcionários, interrupções de outros profissionais, presença de pacientes e familiares, saídas apressadas dos profissionais e impontualidade para o início da atividade colocam em risco o êxito da passagem de plantão.7
A passagem de plantão deve ser considerada a primeira etapa do planejamento, pois permite avaliar a assistência prestada e promove intervenções sobre os planos de cuidados dos pacientes. Sendo o enfermeiro o gerenciador do cuidado de enfermagem, sua participação torna-se fundamental nesse momento.9 Ele é o elo entre as equipes, e assim precisa considerar o relacionamento interpessoal, preocupar-se em minimizar os fatores com porta mentais, de infraestrutura e os ruídos que possam interferir na comunicação, com a finalidade de garantir a continuidade da assistência e o planejamento do trabalho.7
A corrida de leito representa outra etapa importante para o planejamento da assistência de enfermagem. No entanto, evidencia-se reduzido número de trabalhos que trata de tal tema na literatura. Entre os trabalhos encontrados, a corrida de leito, referida também como visita ao leito, ronda de enfermagem, visita diária de enfermagem, dentre outros termos, é o momento em que há o conhecimento mútuo entre o enfermeiro e o paciente. Nessa ocasião, o profissional identifica o estado de saúde do paciente e suas necessidades, de forma a estabelecer prioridadese assumir o compromisso de uma assistência de enfermagem contínua e de qualidade.
Além de proporcionar a interação entre pacientes, familiares e equipe multidisciplinar, possibilita o esclarecimento de dúvidas quanto à evolução do estado de saúde e à terapêutica adotada, aos procedimentos a serem realizados, às normas e rotinas existentes na instituição ou unidade de internação, bem como fornece dados referentes à funcionalidade da estrutura hospitalar. Desperta, ainda, um sentimento de confiança, permitindo que os pacientes se sintam satisfeitos e seguros, o que, consequentemente, minimiza a tensão e a ansiedade que podem vir a influenciar seu quadro clínico.10
Para que seja atingida sua finalidade, a corrida de leito deve ser realizada diariamente e em todos os turnos de trabalho dos enfermeiros. Entretanto, nota-se que em razão dos inúmeros afazeres e do número reduzido de profissionais, essa não tem sido frequente na rotina do enfermeiro ou pouco tempo é dispensado para sua realização, comprometendo, dessa forma, a identificação dos problemas dos pacientes, a definição de condutas e a avaliação dos resultados. É uma prática que exige maior tempo junto do paciente e, portanto, deve ser reconhecida como uma atividade prioritária para o planejamento da assistência de enfermagem. Assim, considerar apenas a disponibilidade de tempo é uma avaliação limitada para que a corrida de leito seja adotada como um importante instrumento de comunicação inserido no processo de trabalho do enfermeiro.10-11
Acredita-se que a passagem de plantão e a corrida de leito, quando utilizadas como instrumentos estratégicos, podem subsidiar o planejamento das atividades diárias do enfermeiro e, certa mente, favorecer o bem-estar do sujeito de nossa atenção: o paciente.
MÉTODO E CAMINHO PERCORRIDO
O estudo foi desenvolvido em uma das unidades de internação da Clínica Médica do Hospital das Clinicas da UFMG, no 7º andar (alas norte e leste). A referida unidade compõe-se de diversas subespecialidades clínicas e possui 59 leitos, distribuídos nas duas alas, destinados a pacientes que requerem cuidados nos níveis de complexidade intermediário e semi-intensivo.
Em conformidade com a Resolução nº 196, de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde,12 os enfermeiros da equipe de enfermagem da unidade foram convidados a participar do estudo e, para tanto, foram informados sobre seus objetivos e solicitados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). O estudo foi submetido à aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Apêndice B), como parte da pesquisa intitulada Atividades administrativas do enfermeiro em um hospital de ensino: uma primeira aproximação.
Sendo o estudo uma das atividades para o desenvolvimento do estágio curricular, a disciplina indicou como texto de referência "um a sistematização e discussão de tecnologia levede planeja mento estratégico aplicada ao setor governamental",1 adotado também como caminho metodológico. Na realização das atividades práticas, foi orientada a elaboração do diagnóstico situacional da unidade, obtido após a realização de cinco seminários temáticos semanais, com a participação das acadêmicas e orientação docente, nos quais foram discutidos os temas: recursos físicos, materiais, humanos e sistemas de informação. E no quinto seminário temático -"Processo de trabalho da enfermagem"-, foi apresentado e discutido com o enfermeiro da unidade o relatório do diagnóstico.
Seguindo a metodologia proposta, para eleger o problema a ser trabalhado, priorizou-se o de maior impacto na assistência de enfermagem, a viabilidade da proposta de intervenção, bem como a governabilidade das acadêmicas e dos enfermeiros da unidade para solucionar o problema. A proposta de intervenção considerou os oito passos do Planejamento Estratégico de Cecílio1, como descrito: 1º passo: definir claramente o ator que planeja; 2º passo: ter bem clara a missão da organização a qual está vinculado o ator que formula o pia no; 3º passo: formular bem os problemas que serão enfrentados pelo plano; 4º passo: descrever bem o problema que se quer enfrentar; 5º passo: entender a gênese do problema, procurando identificar suas causas; 6º passo: desenhar operações para enfrentar o nó crítico; 7º passo: analisar a viabilidade do plano e/ou organizar-se para criara sua viabilidade; 8º passo: elaborar o plano operativo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na discussão do diagnóstico situacional da unidade juntamente com o enfermeiro, identificou-se que o planejamento da assistência de enfermagem não era sistematizado. Assim, o problema priorizado constituiu-se da não utilização sistematizada da passagem de plantão e da corrida de leito como instrumentos administrativos norteadores para o planejamento da assistência de enfermagem.
Na busca pela melhor compreensão do problema, foram apontados alguns descritores para caracterizá-lo, destacando-se: a maneira pela qual eram realizadas a passagem de plantão e a corrida de leito na unidade não evidenciava claramente o planejamento para as 24 horas do dia; cada enfermeiro, em seu turno de trabalho, orientava e conduzia sua equipe de modo diferente, o que comprometia a continuidade do cuidado aos pacientes; os vários fatores que interferiam na passagem de plantão - equipe de enfermagem incompleta, espaço físico insuficiente para comportar toda a equipe, brincadeiras e conversas paralelas, interrupções por parte de outros profissionais, pacientes e acompanhantes; constatou-se, ainda, que a instrução técnica que orienta a execução da passagem de plantão não era seguida.
Em relação à corrida de leito, o principal descritor era a inexistência de uma instrução técnica que orientasse a execução dessa atividade, resultando em justificativas para sua não realização - sobrecarga de trabalho, interrupção da atividade por parte dos membros da equipe; dificuldade para avaliar o paciente e, simultaneamente, não se distanciar da coordenação do processo de trabalho na unidade.
Para enfrentar o problema foram traçada s sei s operações: Operação 1: elaboração de um termo de referência sobre passagem de plantão e corrida de leito, com base na revisão de literatura; Operação 2: discussão com os enfermeiros da unidade sobre os temas, fundamentada no termo de referência; Operação 3: revisão da ITT sobre passagem de plantão e elaboração de uma proposta de ITT sobre corrida de leito; Operação 4: adequação das ITTs sobre passagem de plantão e corrida de leito, com base nas sugestões dos enfermeiros; Operação 5: apresentação e avaliação da redação final das ITTs à VDTE; Operação 6: avaliação do trabalho desenvolvido na unidade.
Para a construção do termo de referência - Operação 1-, foi realizada uma revisão da literatura utilizando como descritores principais: planejamento de assistência ao paciente, cuidados de enfermagem, processos de enfermagem e comunicação. Foram selecionados apenas artigos na língua portuguesa publicados nos últimos dez anos.
Houve grande dificuldade em encontrar, na literatura, referenciais teóricos sobre a expressão "corrida de leito". Como há possibilidade de esse termo não ser comumente empregado, também foram utilizados na busca as expressões "visita ao leito", "ronda de enfermagem" e "visita diária de enfermagem". Embora tenha sido encontrado maior número de artigos sobre a expressão "passagem de plantão", nenhum explicitava detalhadamente os tipos de informação que deveriam ser transmitidos durante essa atividade.
Juntamente ao termo de referência, foi encaminhada aos enfermeiros uma carta explicativa sobre o plano de trabalho a ser implementado na unidade, na qual constava, também, o cronograma para discussão conceituai com os enfermeiros, em todos os turnos de trabalho, de acordo com as escalas de serviço, dos instrumentos norteadores para o planejamento da assistência de enfermagem, dentre eles as ITTs. No entanto, esse cronograma não foi seguido, uma vez que a ausência de profissionais da equipe, a sobrecarga de trabalho em determinados plantões e um enfermeiro em período deferias impossibilitaram a discussão com todos os profissionais. Ao final, participaram dessa operação 11 dos 14 enfermeiros.
As discussões iniciaram-se com a apresentação dos participantes e da justificativa para a escolha dos temas a serem trabalhados. Procurou-se, nessas discussões, correlacionar o conteúdo do termo de referência com os problemas apresentados na unidade. As opiniões, reflexões e sugestões dos enfermeiros foram registradas durante as discussões, e aquelas que tiveram maior destaque encontram-se a seguir:
Passagem de plantão
Passagem de plantão pobre em informações por parte dos enfermeiros.
Em alguns turnos o enfermeiro ainda está resolvendo pendências ou escrevendo o relatório de enfermagem durante a passagem de plantão.
A presença e o comportamento do enfermeiro na passagem de plantão são fundamentais, uma vez que compete a ele a manutenção da ordem no ambiente.
Uma passagem de plantão tumultuada tende a deixar todo o turno de trabalho tumultuado.
A preocupação do enfermeiro com a elaboração da escala diária de serviço, dado o quantitativo diminuído de técnicos de enfermagem, atrapalha a passagem de plantão.
Muitas vezes os técnicos de enfermagem não participam da passagem de plantão por causa de atrasos, pressa para preparar as medicações ou por desinteresse.
Informações desnecessárias transmitidas pelos técnicos de enfermagem tornam a passagem de plantão demorada.
O enfermeiro deve questionar as informações transmitidas e exigir maior qualidade delas.
Corrida de leito
As informações da passagem de plantão orientam a corrida de leito.
Ainda existe dificuldade para abordar o estado geral dos pacientes e o ambiente das enfermarias durante a corrida de leito.
Um grande número de interrupções compromete a realização da corrida de leito.
Quando um único enfermeiro fica responsável pelas duas alas da unidade, a realização da corrida de leito é prejudicada.
Seria interessante uma corrida de leito conjunta entre a enfermagem ea medicina.
O enfermeiro assume muitas tarefas que não são de sua competência e isso prejudica o planejamento da assistência de enfermagem.
Durante as discussões, observou-se que os enfermeiros estão mais incomodados com a forma como a passagem de plantão tem ocorrido do que com a realização da corrida de leito. Muitos apontaram que uma boa passagem de plantão é imprescindível para a corrida de leito. Assim, uma passagem de plantão desorganizada pode ocasionar uma corrida de leito sem objetivos claros e critérios definidos, o que desmotiva os profissionais na realização dessa atividade.
A diversidade de problemas relatados referentes à passagem de plantão condiz com o dito por Silva, 7 como o atraso de membros da equipe, conversas paralelas, brincadeiras, chamadas telefônicas, campainha, entrada e saída de funcionários, interrupções de outros profissionais, presença de pacientes e familiares, saídas apressadas dos profissionais e impontualidade para o início da atividade. Outro aspecto levantado pelos enfermeiros que merece destaque é o tempo prolongado destinado à realização da passagem de plantão, que a torna cansativa e com pouca participação da equipe. Esse fato é confirmado por Silva, 7 Siqueira e Kurcgant, 8 que afirmam que o tempo despendido influencia na qualidade das informações e no envolvimento da equipe para essa atividade.
Após o término das discussões descritas na Operação2, os enfermeiros receberam uma cópia da ITT em vigor na instituição sobre passagem de plantão e da proposta elaborada sobre corrida de leito, para que pudessem analisá-las e criticá-las, e, então, propusessem alterações nelas. As ITTs são impressos padronizados pelo hospital e descrevem os procedimentos decorrentes de atividades assistenciais.13 A estratégia de envolver o enfermeiro na adequação e elaboração das instruções técnicas de trabalho como instrumento gerencial baseia-se na prerrogativa de que a participação no gerenciamento implica a corresponsabilidade para a implementação das decisões tomadas em conjunto, conforme ressalta Guimarães.14
Para a realização da Operação 3, partiu-se da revisão da ITT sobre passagem de plantão, obtida na VDTE, por intermédio da coordenadora de enfermagem da unidade. Na elaboração da proposta da ITT sobre corrida de leito, utilizou-se um documento institucional denominado Procedimentos da Qualidade,13 que orienta o preenchimento dos impressos-padrão para o mapeamento de processos, dentre os quais a ITT. O período decorrido entre a entrega e a devolução das ITTs variou de quatro a sete dias. Somente três enfermeiros entregaram suas sugestões até a data prevista, o que pode sugerir desinteresse dos profissionais pelo tema, mesmo tendo sido constatadas atitudes contrárias durante as discussões. Além disso, há de se considerar que esses profissionais encontravam-se sobrecarregados de trabalho, dada a situação contextual da unidade - problemas relativos às escalas diárias de serviço -, gerando conflitos na equipe. Dessa forma, a Operação 4, que resultou em uma nova redação das ITTs, foi pautada pelas modificações sugeridas apenas por três enfermeiros e acadêmicas com orientação docente. A redação das ITTs foi construída coletivamente, seguindo as orientações de estrutura dos Procedimentos da Qualidade.13
Para a Operação 5, foram disponibilizados 15 minutos para exposição das sugestões para a atualização das ITTs em reunião com os enfermeiros, agendada pela VDTE. A reunião teve como participantes a diretora da VDTE, as coordenadoras gerencial e assistencial da unidade, oito enfermeiros da unidade e a enfermeira que realizava assessoria no andar. Realizou-se a leitura minuciosa dos instrumentos, acompanhada pelos participantes por meio de cópias entregues no início da reunião. Durante essa atividade, todos tinham liberdade para interrompera leitura, fazer comentários, sugestões e objeções, que foram registradas para posterior orientação das modificações a serem realizadas nos instrumentos. Definiu-se como encaminhamento da reunião o envio do produto final das ITTs (Apêndice C) para aprovação e validação pela Comissão de Avaliação das ITTs da VDTE.
A avaliação do trabalho desenvolvido - Operação 6 - foi prejudicada pela extrapolação do tempo previsto para a operação anterior, que impossibilitou o preenchimento do instrumento avaliativo pelos enfermeiros ao término da reunião, sendo devolvidos posteriormente, e, do total de 14 instrumentos, apenas 5 foram respondidos. Ratificando o que foi dito, o pouco envolvimento desses profissionais reflete os problemas vivenciados na unidade.
Além desses problemas, na reta final do trabalho, a situação agravou-se com o início da reforma na área física do posto de enfermagem e na sala de utilidades (expurgo) da unidade. Tais mudanças tumultuaram a rotina do serviço, e todos esses fatores tornaram a avaliação do trabalho limitada a uma pequena parcela dos enfermeiros. As atividades gerenciais e o contexto organizacional muitas vezes limitam a participação ativa e efetiva dos profissionais nos processos de tomada de decisão, o que, consequentemente, poderá resultar em ações que não correspondem à realidade do processo de trabalho.15
O instrumento avaliativo possuía os níveis de avaliação excelente, muito bom, bom, regular e ruim para os itens: tema do trabalho, apresentação das ITTs elaboradas e proposta de trabalho desenvolvida. Cerca de 70% dos enfermeiros que responderam ao instrumento avaliaram o tema do trabalho e a apresentação das ITTs elaboradas como muito bom e 65% desses profissionais avaliaram como muito boa a proposta de trabalho desenvolvida.
Tal resultado permitiu evidenciar a satisfação dos enfermeiros em relação à execução deste estudo e esperar do grupo a implementação das instruções técnicas de trabalho como instrumentos administrativos norteadores das ações do enfermeiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordar a passagem de plantão e a corrida de leito como instrumentos para o planejamento da assistência de enfermagem é essencial para o enfermeiro comprometido com a qualidade do cuidado ao paciente.
A metodologia do Planejamento Estratégico adotada para o desenvolvimento desse trabalho facilitou a intervenção sobre o problema priorizado, uma vez que ampliou a visão sobre este e permitiu a elaboração das operações necessárias para enfrentá-lo.
Embora os enfermeiros da unidade tenham reconhecido a importância dos temas abordados e a necessidade de sistematizar seu processo de trabalho, observou-se que muitos se perderam em meio à demanda para resoluções imediatas dos problemas cotidianos. Dessa forma, notou-se que o planejamento realizado, por vezes intuitivo, dificultava a avaliação das atividades executadas, do desempenho do próprio enfermeiro e de sua equipe.
O processo de revisão e elaboração das ITTs sobre passagem de plantão e corrida de leito, respectivamente, possibilitou a reflexão sobre a importância de um instrumento para respaldar as atividades diárias do enfermeiro. Entretanto, em meio à rotina do serviço, constitui um desafio para esse profissional a aplicação efetiva de tal instrumento.
Assim, espera-se que os produtos fina is deste estudo -a s ITTs - sejam aprovados pela equipe de enfermagem da unidade, pela VDTE e vai ida das pelo setor de qualidade do hospital, de forma que as ITTs sejam implementadas, de fato, no serviço.
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15. Guimarães EMP. Sistema de informação: subsídios para organização e utilização na coordenação da assistência de enfermagem [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Biblioteconomia; 1995.
Endereço para correspondência:
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E-mail: elianemg@enf.ufmg.br
Data de submissão: 8/9/2009
Data de aprovação: 4/1/2011