INTRODUÇÃO
A pandemia da COVID-19 tem causado sofrimentos na vida e no trabalho de profissionais de saúde de países que não vivenciam, no cotidiano, situações de grandes tragédias e mortes derivadas de guerras, migrações em massa por motivos de calamidade, por exemplo. Portanto, a capacidade de esperançar desses profissionais de linha de frente em países sem essas características guarda peculiaridades. No caso dos profissionais de Enfermagem, essa pandemia tem produzido expectativas e desejo de retorno à sua cotidianidade, porém muitos se encontram desesperançosos1 e desmotivados. Entretanto, estes podem encontrar forças motivadoras positivas para enfrentar e superar situações adversas e redescobrir alternativas promotoras de esperança que lhes possibilitem visualizar perspectivas positivas e encontrar desejo de viver.2
A esperança está estreitamente ligada à condição que a pessoa tem de fazer planos, colocá-los em prática e crer na sua realização.3 Pode ter efeito benéfico para a saúde das pessoas, ser a saída de ciclo de sofrimento, ser preditora do bem-estar subjetivo e de saúde mental, reguladora de sintomas de ansiedade/depressão4,5 e, quando experienciada como conforto,4 permeia as experiências espirituais5,6 e prediz a satisfação com a vida.2
A compreensão da vivência da esperança no contexto da saúde mental está relacionada às expectativas futuras positivas, as quais envolvem crenças otimistas para que as pessoas mudem de uma situação adversa. E se constitui em um dos recursos psicossociais de enfrentamento no manejo do sofrimento mental e controle dos sintomas.5 Relacionada à prática clínica da Enfermagem, permite que o profissional auxilie o paciente/família a reconhecer suas potencialidades e forças.2,7 Faz parte da existência humana e se associa às dimensões pessoal, profissional, familiar e social, o que a torna relevante para a saúde mental das pessoas2 e, nesse caso, para os profissionais de Enfermagem.
No cenário atual da pandemia da COVID-19, os profissionais de Enfermagem vêm enfrentando situações complexas, de sobrecarga emocional e física, em contexto de condições precárias de trabalho,8 o que requer acionar recursos internos e externos que mobilizem a esperança. Com o propósito de contribuir para a construção do conhecimento acerca do âmbito da pandemia da COVID-19 na realidade da categoria profissional de Enfermagem, procurou-se resposta para a seguinte questão: como os profissionais de Enfermagem atribuem os sentidos sobre esperança na vivência da pandemia da COVID-19? O objetivo deste estudo consiste em compreender os sentidos atribuídos por profissionais de Enfermagem à esperança no contexto da COVID-19.
MÉTODO
A esperança, como construto e objeto de estudo na área da Psicologia e Psiquiatria, teve outra teoria e teóricos, além do Modelo de Esperança, como, por exemplo, o psicólogo americano Charles R. Snyder, o qual desenvolveu a Teoria da Esperança a partir de 1990. Para ele, a esperança envolve motivação positiva, portanto, acreditar em si próprio e em suas capacidades para atingir objetivos e pensar no planejamento para alcançá-los.9
Entretanto, este estudo fundamenta-se no quadro teórico de Modelo de Esperança de Dufault e Martocchio10, no qual a esperança é compreendida como força vital dinâmica e multidimensional, que envolve um sentido de expectativa confiante para se alcançar um objetivo significativo,10 proporcionando empowerment, ao relacionar-se com o apoio externo, cuidado e espiritualidade.5 Pode ser compreendida em duas esferas: esperança generalizada, que se relaciona ao sentido de algum benefício futuro de desenvolvimento incerto; é ampla e se dissocia do objeto de esperança concreto ou abstrato. Esperança particularizada relaciona-se à esperança como objeto, o qual pode se constituir em objetivo particularmente importante, um bem ou um “estado de alma”.10
A esperança é composta de seis dimensões: a) dimensão afetiva, que abrange uma série de emoções e sentimentos, por vezes opostos, entre os quais há atração para o objetivo a atingir, mas também inclui a incerteza e o sofrimento; b) dimensão cognitiva relacionada ao processo pelo qual a pessoa deseja, imagina, interpreta e julga em relação à esperança; tem a percepção do desejo realista do futuro; c) dimensão comportamental relaciona-se à ação que busca o objetivo referente à esperança no âmbito físico, psicológico, social e espiritual; d) dimensão afiliativa, que inclui componentes de relacionamentos sociais, interdependência, mutualidade, laços afetivos e intimidade, em que a esperança é demonstrada pelas pessoas ao expressarem preocupação com elas mesmas, com outras pessoas, com a humanidade e com Deus; e) dimensão temporal envolve a experiência de cada pessoa no tempo presente, passado e futuro, em que a esperança é dirigida para o futuro, embora influenciada pelo passado e pelo presente; f) dimensão contextual, que se refere às situações de vida e ambiente que rodeiam, influenciam e constituem parte da esperança da pessoa.10
Este estudo consiste em pesquisa qualitativa, exploratória, de âmbito nacional, com profissionais de Enfermagem de diferentes níveis de atenção à saúde, independentemente dos cenários de atuação profissional, exceto os ausentes do território nacional durante a coleta. Foram descartadas cinco entrevistas duplicadas e incompletas.
A coleta de dados foi conduzida no período de abril a junho de 2020 pelo método “bola de neve”. Foi disponibilizado nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter) um link de Google Forms com o formulário construído pelos pesquisadores (enfermeiros e professores universitários, um mestre em saúde e sete doutores em Enfermagem), composto de dados sociodemográficos e a questão: relate as suas vivências como profissional de Enfermagem na pandemia da COVID-19. Ressalta-se que esse instrumento passou pela avaliação de todos os pesquisadores envolvidos na pesquisa, bem como por uma enfermeira que atuava na assistência direta à COVID-19, com vistas a opinar sobre a clareza das questões. Os participantes foram identificados como “entrevistado (e)” e sequência numérica da devolução do questionário (ex. e1).
Utilizou-se o software IRaMuTeQ® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) para processar os relatos, por meio das análises textuais clássicas.11
Realizou-se análise de conteúdo temática,12 sendo que as frases com significados sobre esperança, mecanismos de enfrentamento e fatores promotores de esperança foram codificadas, agrupadas e reagrupadas em temas, os quais foram relacionados às descrições de cada dimensão da esperança,10 considerando-se que várias dimensões permearam vários temas.
Realizada descrição do significado de cada tema, identificando sua essência e nomeando-o de forma a expressá-lo12, baseando-se nas seis dimensões. A constituição da narrativa analítica e elaboração de sínteses interpretativas12 fundamentaram-se no respectivo quadro teórico10 e em literatura que abordasse a temática. Quatro pesquisadoras-enfermeiras especialistas na temática avaliaram os relatos e temas para garantia dos aspectos de validade e fidedignidade do resultado final.
O estudo respeitou os preceitos éticos da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Parecer no. 3.954.557. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido virtual.
RESULTADOS
Responderam à pesquisa 719 profissionais, com predomínio do sexo feminino (87,1%), idade média 37,9 anos, casada (40,6%), branca (47,7%), religiões católica (45,5%) e evangélica (23,5%). São enfermeiros (79,3%), auxiliares/técnicos de Enfermagem (20,2%) e obstetrizes (0,5%), das regiões Sudeste (32,3%), Nordeste (26,8%), Norte (17,9%), Centro-Oeste (13,8%) e Sul (9,2%), atuam na assistência direta aos pacientes (65,6%) e tiveram conhecidos com COVID-19 (70,9%).
A análise dos dados proporcionou o surgimento de cinco temas em razão das seis dimensões, conforme base teórica interpretativa10 (Figura 1).

Fonte: elaborada pelos pesquisadores.
Figura 1 Temas sobre os sentidos de esperança elaborados e articulados de acordo com as dimensões do Modelo da Esperança9
Construindo a esperança a partir de sentimentos e emoções ambíguas e contraditórias
Apesar dos sentimentos e emoções ambivalentes impactantes nos profissionais de Enfermagem, há sensação esperançosa mobilizada por força interior e/ou superior, pela fé e perseverança, que os ajudaram a prosseguir diante das incertezas e obstáculos, suportar e vencer as adversidades.
Medo, angústia, perseverança, fé e esperança, misto de sentimentos (e493).
Tento fugir dos sentimentos de perda, tristeza, mas me seguem, apesar de tudo isso, me sinto mais forte e com maior capacidade para suportar as adversidades (e590).
Tive medo de voltar a trabalhar, me apeguei a Deus, pedi que me desse forças, porque tinha que voltar, em minha mente Ele cuidaria de tudo (e604).
Mesmo com ambivalências de sentimentos, os profissionais constroem a esperança embasada em perspectiva otimista, de força espiritual e desejo de que todas as adversidades passem rapidamente e surjam dias melhores.
Sigo com esperança, sei que vamos passar por isso, mesmo sabendo que muitos deixaram suas vidas como pagamento (e509).
Às vezes, tenho medo do futuro, mas tenho a certeza da vitória, ligo o pensamento a Deus, força Superior que nos rege e guarda, sigo em frente, em busca de dias cada vez melhores (e388).
Buscando fontes e estratégias promotoras de esperança
Os profissionais utilizam estratégias promotoras de esperança para fortalecer o âmbito espiritual e religioso, por intermédio de práticas integrativas/complementares, orações e lazer.
Muito apreensiva com a situação, ligada aos noticiários; com o passar dos dias desapeguei e passei a fazer atividades variadas, rezar, ler, ouvir música, assistir filmes, estudar, fazer compras de alimentos (e534).
Estratégias que me ajudaram a ter sucesso foram fortalecer minha espiritualidade, fazer mindfulness e aromaterapia (e31).
Fortalecendo a esperança na reciprocidade e solidariedade
A esperança é fortalecida na expressão da inquietude consigo e com os outros, na preocupação com os colegas de trabalho, no compadecimento ou preocupação com os pares e familiares, na demonstração de sentimentos de reciprocidade e solidariedade.
Ainda não perdi nenhum colega próximo, mas me compadeço dos demais que perderam suas vidas atuando na área da saúde (e450).
Penso em todos e me preocupo, estou tentando pensar positivo e tirar coisas boas desse momento (e454).
O fortalecimento da esperança envolve atitudes solidárias e de beneficência com o próximo, sejam colegas de profissão e/ou pacientes ou quando formam grupos de apoio comunitário.
Apenas me preocupando em ajudar o próximo; montei com amigos uma instituição de ajuda às famílias carentes; entregamos cestas básicas e roupas; estou me sentindo útil em fazer o bem para essas pessoas (e517).
Pelos profissionais que continuo, sigo em frente e luto por fazer o melhor possível; meu aprendizado é que não vou conseguir fazer tudo e ajudar a todos, mas posso fazer o melhor possível (e377).
O sentido de esperança envolve o desejo de que a pandemia passe logo e que todos permaneçam unidos com as pessoas que amam.
Espero que tudo passe, acabe bem e possamos conviver por um bom tempo juntos a quem amamos, admiramos e convivemos (e600).
Só peço a Deus todos os dias que tudo isso passe logo e que eu não perca ninguém importante para mim (e450).
Dimensionando a esperança na temporalidade e nas experiências
A esperança relaciona-se ao sentido de estabelecer objetivos atingíveis nas dimensões temporal e experiencial, na realização de tarefas cotidianas, prazerosas e aquisição de crescimento e amadurecimento pessoal. Tais vivências transformam os profissionais e mobilizam seus sentidos sobre a vida e suas relações.
Estou vivendo mais que nunca um dia por vez, pois é fato que não temos respostas prontas, e por mais que sejamos habituados a lidar com contingência, não sabemos o que de real nos aguarda! A única certeza é que vai passar e sairemos diferentes! (e25).
Está sendo uma experiência de crescimento e amadurecimento enquanto pessoa, tenho feito o que gosto, arrumar a casa, cozinhar, ler para os filhos, assistir TV com o meu marido (e700).
A experiência de vida dos participantes e os contextos em que estão inseridos influenciam a esperança, como atitude orientada para o futuro. Podem refletir sobre a experiência pessoal e profissional no passado, a qual pode envolver situações do cotidiano do trabalho, atribuir sentido positivo na adversidade e transformar os sujeitos e suas vidas.
Fui infectado e o melhor remédio foi o otimismo e me impor que eu ficaria bem (e664).
Transformar estas reflexões em modos mais prazerosos de vida, e aqui me refiro a toda complexidade da existência, com certeza será extremamente positivo, isto não quer dize, que não será um processo doloroso [...] se desfazer, se desconstruir e se refazer nesta experiência tão peculiar que estamos vivendo (e252).
Ao darem sentido aos acontecimentos da vida, os profissionais refletem sobre a existência como seres humanos e seu papel como profissional, mesmo que se utilizem de coping espiritual e/ou religioso.
Creio que atuar na linha de frente dessa pandemia me fez um ser humano e profissional melhor (e644).
Sentimentos de tristeza e ansiedade surgiram ao presenciar colegas que falecerem, nos unimos mais, passamos a valorizar mais a vida e a amar mais as pessoas; continuamos na batalha e com o pensamento de que tudo isso irá passar (e653).
Conto com ajuda dos meus familiares, às vezes toma conta uma incerteza sobre as coisas, principalmente em relação ao trabalho, vejo o quanto estamos vulneráveis, mas sigo com pensamento positivo e procurando me fortalecer dia após dia (e83).
Não podemos abandonar a profissão a qual Deus nos confiou, nem os pacientes em um momento tão difícil. É pedir forças e proteção Divina todos os dias, para que possamos agir com prudência e discernimento diante das diversas situações de risco à vida [...] vamos vencer! (e138).
Sustentando a esperança com fé e crença na ciência e no potencial da equipe de saúde
Os profissionais compreendem que possuem a crença/fé na ciência em relação à descoberta de recursos para enfrentamento, cura ou controle do coronavírus e acreditam na capacidade e potencial da equipe de saúde no contexto pandêmico.
Acredito na ciência, na força e empenho dos profissionais da saúde (e268).
Temos excelentes profissionais e cientistas, a equipe de saúde está muito comprometida, as dificuldades são muitas, vejo que há trabalho de muitos para que evitemos o caos (e79).
Tudo muito confuso, mas o que mais sinto é esperança da cura (e106).
DISCUSSÃO
Os sentidos atribuídos pelos profissionais à esperança no cenário pandêmico envolvem sentimentos ambivalentes, que são superados por intermédio da espiritualidade e religiosidade, que se constituem em estratégias promotoras de esperança, sugerindo que essa é fortalecida nas relações e ações de solidariedade para com os pares, pacientes, familiares e comunidade. Vivenciar situações adversas da pandemia impacta a esperança, proporciona aprendizado e reflexões sobre o sentido da vida e atitudes orientadas para o futuro. Apesar disso e de incertezas contextuais, os profissionais sustentam suas esperanças na ciência, na fé e no potencial da equipe de saúde.
No primeiro tema, apesar dos sentimentos ambíguos, os profissionais lutam incessantemente entre a necessidade de manter a esperança viva e o receio de perdê-la. Percebe-se que há dimensão afetiva da esperança, por contemplar emoções e sentimentos positivos, e sensações de incertezas que desencadeiam medo, angústia e tristeza.10 Acredita-se que, ao apresentarem atitudes de esperança, são capazes de resistir às adversidades físicas e psíquicas.
A esperança é percebida como força em duas perspectivas: uma como atributo pessoal e outra do Ser Superior, ambas capazes de estimular a pessoa de maneira positiva a superar a situação adversa vivida,4 utilizadas como mecanismo de enfrentamento.
Os relatos sugerem a expectativa de que a força advinda do Ser Superior pode intervir e cuidar de tudo, e afirmam que Deus cuida de todos. A esperança na perspectiva teológica compreende o Divino como objeto de esperança da pessoa.7 No âmbito espiritual, entendendo a espiritualidade relacionada ao conjunto de valores e significado que dão sentido à vida,13 é utilizada como estratégia de enfrentamento pelos profissionais, uma vez que promove bem-estar e melhoria da qualidade de vida.14
Apesar dos sentimentos ambivalentes, deduz-se que a esperança é construída e percebida no âmbito espiritual de forma otimista e prospecta um futuro em que a pandemia passe logo, impulsionando os profissionais a realizarem ações direcionadas para objetivos de esperança. Esses sentimentos são compreensíveis, considerando-se que a esperança consiste em uma experiência subjetivamente humana, que promove o bem-estar espiritual,7 bem como sustenta os profissionais ao motivá-los a elaborar planos.8 Portanto, a fé e a esperança são essenciais à vida, habilitam e fortalecem a pessoa a se perceber no controle de sua existência.7,15
No segundo tema, na dimensão comportamental,10 os profissionais buscam motivação e realizam ações para atingir resultados desejados, ou seja, manter a saúde mental, diminuir ansiedade e fortalecer a espiritualidade por meio de práticas religiosas, atividades integrativas, lazer, entretenimento e relaxamento.
A dimensão cognitiva envolve processos intelectuais que possibilitam aos profissionais identificar o objetivo e/ou resultado desejado de esperança, avaliar o contexto laboral e de vida, bem como identificar fatores promotores e inibidores de esperança, para que possam estabelecer objetivos e metas para alcançá-los.10
Para os profissionais, o sentido de esperança pode ser visto na perspectiva filosófica (espiritual e de fé), que envolve valores e práticas de conexão transcendentes que ajudam os profissionais a enfrentar, suportar e superar as situações cotidianas de sofrimento do panorama laboral e pessoal.16 Na visão psicológica, a esperança pressupõe motivação que promove expectativas e probabilidades para ações comportamentais, com o intuito de buscar e atingir respostas aos objetivos desejados e propostos.4 Percebe-se que os desejos dos profissionais são manter a saúde mental e fortalecer a espiritualidade e religiosidade para minimizar o sofrimento psíquico. Tais ações e desejos constituem em estratégias e fontes promotoras de esperança.
Na perspectiva teológica, compreende-se que o ser humano confia na bondade e onipotência divina3 e, logo, Deus torna-se o seu objeto de esperança.7 Para os profissionais, a fé e a oração os aproximam de Deus, Que pode ouvi-los e intervir na situação pandêmica, uma vez que 69% dos participantes são cristãos. A literatura salienta que o ser humano crê que a salvação depende de Deus, portanto, a fé permite ter e manter a esperança,7 e como força Suprema, pode ser acessada transcendentalmente por meio da oração ou prece.16 A espiritualidade promove o apoio por meio da fé e da crença em um Ser Superior que fortalece a pessoa para enfrentar e atribuir sentido à vida, pela prática de oração, meditação, música/arte que restauram as forças espirituais e promovem resiliência.16
O terceiro tema aborda que a esperança se constrói e se fortalece por meio das relações interpessoais de solidariedade e mutualidade, o que corrobora a dimensão afiliativa, por englobar componentes de relacionamentos sociais, interdependência, mutualidade, laços afetivos e intimidade.10
A experiência dos profissionais no contexto pandêmico envolve a dimensão temporal,10 em que o passado e presente se retroalimentam positivamente, subsidiam o futuro e criam no profissional desejo emergencial de que a pandemia passe logo e que a normalidade seja antecipada, corroborando estudo.8 Dessa forma, a religiosidade e a espiritualidade contribuem na saúde mental como mecanismos de coping,17 para ajudar os profissionais com seus sentimentos, uma vez que exercem força motivadora e são recursos de esperança que possibilitam transcender e transformar a realidade.
Mesmo com as medidas de segurança e de afastamento social impostas pela pandemia, percebe-se que os profissionais redescobrem o valor dos laços afetivos, da união dos familiares, das suas redes de apoio, dos simples gestos de relações e ações do cotidiano e de práticas solidárias que envolvem dimensões afetivas, afiliativas e comportamentais da esperança. Considerando-se tais dimensões no quadro pandêmico, esses profissionais promovem esperança para si e para os outros ao sentirem-se úteis, cooperativos, compadecidos de seus pares, pessoas vulneráveis socialmente e demonstram-se esperançosos para concretizar seus desejos por meio de ações solidárias, de suporte e de apoio.
Tais achados corroboram a literatura18,19 ao discorrerem que a pandemia tem despertado significados e sentidos da vida direcionados para a esperança, quando os profissionais de Enfermagem valorizam situações de reencontro entre as pessoas e reconhecem situações de vulnerabilidade individual e coletiva. Exercitam a sua espiritualidade, que desperta altruísmo, o qual é revelado no reconhecimento das necessidades e carências das pessoas no seu entorno, e simultaneamente conseguem minimizar suas emoções negativas e fortalecer sentimentos valorativos do ser humano.18 Ademais, situações de tragédias despertam sentimentos humanitários nas pessoas, como compaixão e generosidade, mobilizando-as a ajudar seus pares a recuperarem e reconstruírem suas vidas.16
No tema quatro, a esperança fundamenta-se no sentido percebido pela pessoa sobre os acontecimentos da vida em processos relacionais e não apenas isoladamente,4 bem como a dimensão contextual impacta a esperança da pessoa.10 A esperança é um elemento que estimula o ser humano no seu existir, permite sentimento de um futuro otimista,20 é alimentada, movida e mantida por sentimentos otimistas que contribuem para elaborar planos de sucesso na busca de atingir objetivos realistas, que muitas vezes tornaram-se efetivos e eficazes no passado, impactam o presente e fortalecem a crença no futuro.10
Para os profissionais que vivem um dia de cada vez, a dimensão temporal significa vivenciar adversidade no presente e projetar a esperança para o futuro.10 Assim, planejar objetos e objetivos de esperança para o futuro possibilita identificar e realizar ações que o concretizem, o que se relaciona à dimensão comportamental.10 Acredita-se que a vivência de situações de dor e sofrimento pelos profissionais pode desencadear uma ressignificação desses momentos e gerar diferentes e novos propósitos e prioridades.
Compreende-se que essa categoria profissional ao visualizar o risco da morte iminente percebe a preciosidade e o valor de cada dia e se apega às coisas simples e cotidianas. A Enfermagem necessita incorporar a experiência pandêmica às suas vidas, reforçar as interconexões relacionais entre seus pares, familiares e comunidade, posto que o aprendizado no passado e no presente pandêmico pode fortalecê-la e gerar esperança para o futuro.16
No quinto tema perpassa a esfera da esperança particularizada, quando os relatos dos profissionais realçam a expectativa e desejos de melhoria do futuro em relação ao presente. Uma vez que há um objeto de esperança tanto concreto (vacina e cura da COVID-19) quanto abstrato (sentimentos e fé), percebem-se temas que transcendem a realidade e a matéria. Dessa maneira, a esperança particularizada pode ser valorizada no presente e fazer parte do futuro. Os profissionais identificam prioridades para se preservarem ou reconstruírem novos sentidos para suas vidas. Nessa perspectiva, a esperança pode ser compreendida como atitude direcionada para o futuro promissor, que os auxilia a superar situações adversas, com projeções cognitivas de um futuro de possibilidades e de conquistas.21
As limitações deste estudo relacionam-se ao fato de a coleta de dados ter ocorrido na primeira onda da pandemia e em diferentes regiões afetadas distintamente. Ressalta-se que nesse momento pouco se conhecia sobre a doença e não havia aprovação emergencial de vacina contra a COVID-19.
Todavia, os resultados contribuem para auxiliar as instituições públicas e privadas na elaboração de estratégias de intervenções de apoio ao trabalhador de Enfermagem, com vistas a promover a saúde mental e gestão do sofrimento psíquico. Possibilitam compreender a esperança como força motriz e de competência para o exercício profissional, quando os profissionais se apropriam desse conhecimento para auxiliá-los no cuidado. Além disso, a temática esperança pode ser incluída na formação acadêmica e profissional da Enfermagem. Sugerem-se mais pesquisas para mensurar a esperança dessa população, com aplicação de escala de esperança de Herth.
CONCLUSÃO
Os sentidos atribuídos pelos profissionais de Enfermagem à esperança no contexto da COVID-19, apesar de permearem sentimentos e emoções ambivalentes, promovem aprendizados e reflexões sobre o sentido da vida que os ajudam a superar o cotidiano adverso, apropriar-se de estratégias promotoras de esperança e de resiliência que envolvem âmbitos da espiritualidade e religiosidade.
Diante do contexto pandêmico, a esperança dos profissionais de Enfermagem é construída pela solidariedade e atitudes altruístas, o que os conduz a redescobrir o valor de laços afetivos, redes de apoio, relações e ações do cotidiano. Apesar das incertezas do momento, a esperança dos profissionais se alicerça na ciência, na fé e no potencial da equipe de saúde.